sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Cigarro nas mãos





Tudo o que ele queria naquele frio era uma bebida quente. Uma dose de qualquer coisa que o esquentasse por dentro e, a medida que fosse descendo queimando, fosse também preenchendo aquele vazio sem graça que ele sentia, e que ultimamente tanto o incomodava. Imaginava-se, enquanto no ponto de ônibus  com um copo com whisky sem gelo numa mão e na outra um cigarro segurado entre os dedos. Claro que não se imaginava num ponto de ônibus  como estava. O cenário de seus sonhos sempre era algo combinado com couro e madeira, transmitindo um conforto que ele nunca teve, mas supunha ser muito bom. Contudo, ele não fumava. Pelo contrário, detestava a fumaça do cigarro e o seu cheiro impregnante. Entretanto algo naquela fumaça o encantava. O esbranquiçado que saía da boca dos outros, como fantasmas dançando no vento, rodopiando e se desfazendo, desaparecendo no ar logo depois, era algo que ele queria que saísse de sua boca. Isso porque era mais fácil sair a fumaça do que qualquer palavra coerente ou história interessante. Ah, ele estava tão vazio! Não havia nada que o fizesse queimar, além dos sonhos. E nos sonhos ele se queimava aos poucos, como um cigarro acesso, esquecido na mão de alguém mais concentrado em alguma conversa.
Ele agora sonhava estar dirigindo seu carro de luxo, já que o ônibus naquele dia demorava mais que o costume. Vestindo roupas caras e despretensiosamente elegantes, ele era um sujeito incrível em seus sonhos. Cercado de amigos, era só ele quem falava. Falava o que? Nem sequer conseguia pensar em um diálogo. Apenas ria e fazia com que seus amigos também rissem. Aquela cena, vista de uma outra mesa do bar que ele sonhava estar, refletia somente a felicidade. Que sujeito admirável esse, cercado de amigos e visivelmente bem-sucedido na vida. Será que esse cara um dia esperou um ônibus no frio? De repente ele já não era esse sujeito. Estava apenas na mesa ao lado, observando o cigarro desse homem, que se queimava lentamente, esquecido pela conversa interessante.
Os carros que passavam por ele, que estava parado na calçada esperando o ônibus,  levantavam o ar sujo do asfalto, jogando contra ele toda a frieza daquele dia. E a cada carro que passava, a cada nuvem de fumaça levantada, ele se lembrava dos seus desejos, que eram substantivos, coisas, objetos que ele poderia ter. Os carros e as roupas não eram diferentes dos amigos e das risadas que davam. Tudo era tão falso e ainda sim tão brilhante, que ele, que era aquele sujeito rindo no bar, mas que também era o que observava da mesa ao lado, experimentava uma mistura de raiva e inveja, tanto por saber que aquilo não era real quanto por saber que nunca teria aquilo. Ele queria ter, pois ter, era sua única esperança.
O seu olhar, há muito tempo, estava fixado no fim da rua, de onde o ônibus viria. O tempo frio era presságio da chuva que ameaçava cair a qualquer momento. Contudo nem ônibus e nem chuva ele via. Só conseguia enxergar aquele cara da outra mesa, cercado de whisky, cigarros, carros, roupas e amigos. Tudo ali se completava. A música combinava com as risadas, a jaqueta de couro combinava com a mesa de madeira, que por sua vez combinava com o copo de whisky que combinava com o cigarro. Porém tinha algo que não combinava com o que ele sonhava sempre. Ele não estava fumando o cigarro que segurava, e que continuava queimando aos poucos. Então de repente, todos os amigos e risadas saíram de foco quando uma brasa caída do cigarro lhe atinge a pele: ele se viu na mesa ao lado, se observando raivoso, invejoso e despido de qualquer bem. Era só ele e seus sentimentos como um reflexo num espelho que ele não esperava encontrar. Ao se ver assim com raiva, cobiçando seus bens ilusórios viu-se no seu olhar e se reconheceu menor do que supunha, quase insignificante. Sentiu-se como a fumaça do cigarro.
Quando algo ia fazendo sentido, o ônibus rompe do seu lado e a pequena multidão que o esperava se apressa para entrar e garantir o seu lugar naquele condensado de gente. Ele segue o fluxo, um pouco desnorteado e logo está em pé no coletivo, buscando um ponto de equilíbrio para enfrentar os sinais e curvas da cidade. Depois de todos embarcados, parti o ônibus carregado de gente e sonhos. E ele, sem se lembrar onde estava no seu devaneio, volta a imaginar como seria bom ter um carro, um carro de luxo e um cigarro nas mãos.


Fernando Reis