(01/16)
Às vezes, quando eu era criança e tinha um
pesadelo, acordava assustado, chorando. Minha mãe prontamente vinha até mim me
acalentar dizendo que era só um pesadelo e que tudo ia ficar bem. Eu acreditava
no que ela me dizia e conseguia voltar a dormir. Essa promessa me veio a mente
nesses últimos dias com o pesadelo que foi a retrospectiva de 2015. Tivemos de
tudo o que jamais esperaríamos ter na nossa sociedade tão desenvolvida:
professores sendo espancados pelo Estado, o fundamentalismo religioso matando e
mostrando ao mundo em vídeos de alta resolução, cifras bilionárias que foram
desviadas dos cofres públicos em um ano em que a crise econômica se agravou em
nosso país, um crime ambiental que foi capaz de matar um rio inteiro e condenar
à morte toda a população que dependia dele, corrupções em suas mais diversas
formas, enfim, barbárie.
E
o que deixa esse pesadelo de retrospectiva com um tom mais aterrorizante é a
superficialidade em que os assuntos são tratados pela mídia e pela maior parte
da população. A crise econômica e política se reduz a uma briguinha entre dois
times, nós versus ele. O atentado terrorista internacional brigou nas redes
sociais contra a tragédia ambiental nacional. E depois de toda a comoção e
passionalidade com o que os temas foram tratados, depois de um tempo são
simplesmente esquecidos. Como uma criança que acorda de um pesadelo e ouve que
tudo vai ficar bem.
É
assim que se segue, num presente contínuo, desconectado de qualquer passado que
explique e justifique como e porquê as coisas se dão dessa maneira. Estamos
sempre caminhando na promessa mágica de que tudo vai ficar bem, independente do
que se faça. E na virada do ano essa promessa fica mais forte, como se
precisássemos mais dela. “Vai tudo ficar bem”, repetimos delirantemente, “vai
ser um feliz ano novo”.
Assim
como os pesadelos que eu tinha na infância eram manifestações inconscientes de
desejos não conciliados, as tragédias ocorridas ano a ano são consequências de
escolhas e desejos não admitidos explicitamente. Fazemos o que fazemos,
fechamos os olhos para as consequências de nossos atos e no fim de cada ano
repetimos o mantra de que “tudo vai ficar bem”. Eu não acredito! Nossas mães
mentiram para a gente e nós seguimos repetindo a mesma mentira. Não vai ficar
tudo bem.
Fernando F. S. Reis
Não vai ficar tudo bem, nem vai ficar tudo mal. O "tudo" é absolutizador e o absoluto não existe. A dialética hegeliana é a grande lição que aprendi na minha vida: não existe um grande mal sem um grande bem e vice versa. A verdade só existe, assim, na controversa e não no absoluto. Por outro lado, temos sim momentos em que a dialética nos falta infinitamente. Pra mim, é a fase que Camus descreveu como o absurdo do mundo em nós em seu "O mito de sisifo". De Camus eu consegui a nomeação da fase anti—dialética que leva ao poço escuro. E também de Camus aprendi que o reverso desse absurdismo está nas pequenas coisas e não nos grandes significados da vida. Porque tudo o que é tão imenso é anti—dialético e, assim, é uma fantasia para o mal ou para o bem. O real é sempre mais dúbio e controverso e mora nos pequenos detalhes daquilo que nos dá pequenos sentidos no cotidiano da vida.
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