quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Minha mãe mentiu para mim

(01/16)

 Às vezes, quando eu era criança e tinha um pesadelo, acordava assustado, chorando. Minha mãe prontamente vinha até mim me acalentar dizendo que era só um pesadelo e que tudo ia ficar bem. Eu acreditava no que ela me dizia e conseguia voltar a dormir. Essa promessa me veio a mente nesses últimos dias com o pesadelo que foi a retrospectiva de 2015. Tivemos de tudo o que jamais esperaríamos ter na nossa sociedade tão desenvolvida: professores sendo espancados pelo Estado, o fundamentalismo religioso matando e mostrando ao mundo em vídeos de alta resolução, cifras bilionárias que foram desviadas dos cofres públicos em um ano em que a crise econômica se agravou em nosso país, um crime ambiental que foi capaz de matar um rio inteiro e condenar à morte toda a população que dependia dele, corrupções em suas mais diversas formas, enfim, barbárie.
E o que deixa esse pesadelo de retrospectiva com um tom mais aterrorizante é a superficialidade em que os assuntos são tratados pela mídia e pela maior parte da população. A crise econômica e política se reduz a uma briguinha entre dois times, nós versus ele. O atentado terrorista internacional brigou nas redes sociais contra a tragédia ambiental nacional. E depois de toda a comoção e passionalidade com o que os temas foram tratados, depois de um tempo são simplesmente esquecidos. Como uma criança que acorda de um pesadelo e ouve que tudo vai ficar bem.
É assim que se segue, num presente contínuo, desconectado de qualquer passado que explique e justifique como e porquê as coisas se dão dessa maneira. Estamos sempre caminhando na promessa mágica de que tudo vai ficar bem, independente do que se faça. E na virada do ano essa promessa fica mais forte, como se precisássemos mais dela. “Vai tudo ficar bem”, repetimos delirantemente, “vai ser um feliz ano novo”.

Assim como os pesadelos que eu tinha na infância eram manifestações inconscientes de desejos não conciliados, as tragédias ocorridas ano a ano são consequências de escolhas e desejos não admitidos explicitamente. Fazemos o que fazemos, fechamos os olhos para as consequências de nossos atos e no fim de cada ano repetimos o mantra de que “tudo vai ficar bem”. Eu não acredito! Nossas mães mentiram para a gente e nós seguimos repetindo a mesma mentira. Não vai ficar tudo bem.

Fernando F. S. Reis

Um comentário:

  1. Não vai ficar tudo bem, nem vai ficar tudo mal. O "tudo" é absolutizador e o absoluto não existe. A dialética hegeliana é a grande lição que aprendi na minha vida: não existe um grande mal sem um grande bem e vice versa. A verdade só existe, assim, na controversa e não no absoluto. Por outro lado, temos sim momentos em que a dialética nos falta infinitamente. Pra mim, é a fase que Camus descreveu como o absurdo do mundo em nós em seu "O mito de sisifo". De Camus eu consegui a nomeação da fase anti—dialética que leva ao poço escuro. E também de Camus aprendi que o reverso desse absurdismo está nas pequenas coisas e não nos grandes significados da vida. Porque tudo o que é tão imenso é anti—dialético e, assim, é uma fantasia para o mal ou para o bem. O real é sempre mais dúbio e controverso e mora nos pequenos detalhes daquilo que nos dá pequenos sentidos no cotidiano da vida.

    ResponderExcluir